segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Cumpra-se a Lei!

Este texto foi elaborado há cerca de duas semanas e enviado para o Público mas como até ao momento não foi usado (lá se vai a teoria de que existe uma aliança oculta de interesses…), acho que já sou livre de o publicar no Umbigo, como aperitivo para outros desenvolvimentos.


Eu acho que a gota de água foi a declaração do secretário de Estado Pedreira, por ocasião da aprovação do chamado simplex2 da avaliação do desempenho docente, em que afirmou algo como «não passa pela cabeça do Ministério da Educação que as escolas não cumpram a lei».

Após quatro anos de contínuo desrespeito pela classe docente e pelo funcionamento dos estabelecimentos de ensino, com repetidas acusações de incumprimento dos deveres pelos docentes e de mão compreensão das leis pelas escolas (relembre-se o episódio do Estatuto do Aluno e respectivo regime de faltas, penso que esta última forma de insinuar que os professores não são cidadãos cumpridores das leis e que as escolas são como que espaços de marginalidade terá sido como que um ponto de não retorno para a paciência de muitos professores.

De que lei falava o secretário de Estado? Porque a verdade é que já poucos se entendem verdadeiramente quanto ao que está em vigor do modelo original de avaliação do desempenho docente e se as sucessivas simplificações, por via de decreto regulamentar, estão em conformidade com o que se encontra no Estatuto da Carreira Docente. Porque, quer-me parecer, há demasiadas zonas de obscuridade nesta sobreposição de diplomas.

Será que Jorge Pedreira falava da Lei de Bases do Sistema Educativo? Não me parece, pois até parecer em contrário, o processo de escolha do Director Executivo com base do decreto-lei 75/2008 por parte do Conselho Geral Transitório, com a composição actual, contraria de forma explícita o que está estabelecido no artigo 48º da referida Lei de Bases.

Será que estavam em causa as leis desrespeitadas pelo Ministério da Educação por ocasião da repetição, com base em despacho, dos famosos exames de Química e Física que os tribunais anularam? Ou será que se trata das decisões judiciais a favor dos docentes que requereram o pagamento das aulas de substituição quando a sua regulamentação estava em desacordo com as normas de elaboração dos horários?

Porque muitos professores estão efectivamente preocupados com o cumprimento das leis da República, porque todos são cidadãos responsáveis e porque se interrogam acerca da capacidade da equipa do Ministério da Educação para interpretar devidamente a legislação básica do sector, incluindo alguns dos diplomas produzidos nos últimos anos sob a sua própria orientação, um grupo desses professores decidiu pedir a um especialista reputado um parecer jurídico, devidamente fundamentado, sobre muitas das questões que continuam por esclarecer, desde as mais antigas (sistema de quotas para progressão na carreira e respectiva divisão) até às mais recentes (ameaça de imposição de procedimentos disciplinares sobre quem não entregue os chamados «objectivos individuais», que é uma a etapa omissa no processo de avaliação definido no Estatuto da Carreira Docente), não esquecendo o já mencionado modelo de gestão escolar e o entrecruzar dos diversos diplomas que vieram simplificar o processo de avaliação do desempenho, ao que parece sob pressão de um parecer da própria Provedoria de Justiça.

Esta iniciativa foi despoletada por um grupo de docentes de todo o país, sem qualquer enquadramento organizacional, seja ele de natureza político-partidária, sindical ou outra. Não porque se esteja contra a existência destas estruturas, mas apenas porque achamos que a forma mais transparente e evidente de demonstrar as preocupações cívicas dos professores é desenvolver este tipo de iniciativas a partir da base, num processo que se caracteriza por ser espontâneo e voluntário.

Porque, em vez de insurrectos ou incumpridores, os professores são os primeiros a quererem que este seja um Estado de Direito, onde as leis se cumpram, se possível por parte daqueles que têm a missão de as elaborar e executar.

Cumpra-se, pois, a Lei.

Posted by Paulo Guinote

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