sábado, 29 de dezembro de 2012

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Os Professores...

Achei por muito tempo que ia ser professor. Tinha pensado em
livros a vida inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não
guardava dúvidas acerca da importância de ensinar.
 Lembrava-me de alguns professores como se fossem família ou amores proibidos.
Tiveuma professora tão bonita e simpática que me serviu de padrão de
felicidade absoluta ao menos entre os meus treze e os quinze anos de
idade.
A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito.
Ver mais de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo
 se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto,caminho.

 Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso
ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria de mundo em que o
mundo se tem vindo a tornar. Nunca tive exatamente de ensinar ninguém.
Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas
clarividências ao cão que tenho há umas semanas.
Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho.
 Quero muito que o Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras
 para que tenhamos umavida melhor, mas não suporto a tristeza dele
quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise.

Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática,
não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado.
 Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos
e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe.
 Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez.
Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores
 que os transformam em melhores versões.

Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a
caminho de casa como se tivesse crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos.
 Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho comovido
 por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer
que alguém os discutisse comigo.

Houve um dia, numa aula de história do sétimo ano,
em que falámos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora,
 uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também,
que eram os olhos que induziam a sensação de vida às figuras de pedra.
A senhora regozijou. Disse que eu estava muito certo.
Iluminei-me todo, não por ter sido o mais rápido a descortinar
aquela solução, mas porque tínhamos visto imagens das estátuas mais
deslumbrantes do mundo e eu estava esmagado de beleza.

Quando me elogiou a resposta, a minha professora contente apenas me premiou
a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir maravilha que
ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes.
 Profundamente felizes. Talvez estas coisas só tenham uma importância nostálgica
do tempo da meninice, mas é verdade que quando estive em Florença
 me doíam os olhos diante das estátuas que vira em reproduções no sétimo ano da escola.
E o meu coração galopava como se estivesse a cumprir uma sedução antiga,
um amor que começara muito antigamente, se não inteiramente criado por uma professora,
sem dúvida que potenciado e acarinhado por uma professora.
Todo o amor que nos oferecem ou potenciam é a mais preciosa dádiva possível.

 Dá -me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que
odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os
professores como má gente é destruir a nossa própria casa.
 Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela
educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam
capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos.
 É como pedir que abdiquem de melhorar os nossos miúdos, que é pior do
que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior
do que comer apenas sopa todos os dias. Estragar os nossos miúdos é o
fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são
fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo.

 Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um
condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal
mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade.
 E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual.
É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por
natureza andam os destituídos de afeto. As escolas não podem ser
transformadas em lugares de guerra.

Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos.
 Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo.
Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento.
 E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta
sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu.
 Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada.
 Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se.


Texto de Valter Hugo Mãe


In Jornal de Letras, 19 Set 2012






terça-feira, 4 de dezembro de 2012