segunda-feira, 2 de junho de 2008

UMA MINISTRA ESPERTA

Lurdes Rodrigues, escolhida para dirigir a portuguesa educação por José Sousa, engenheiro não reconhecido pela Ordem e artista que desenhou várias casas muito "típicas" que um dia voltaremos a ver, Lurdes Rodrigues, dizia, nunca frequentou o equivalente ao ensino secundário completo (do 10º ao 12º anos).Lurdes Rodrigues fez o antigo 5º ano do liceu. Daí seguiu para o Magistério Primário, onde o requesito de entrada era exactamente o 5º ano do liceu. No Magistério Primário completou os dois anos necessários para poder começar a trabalhar, dois anos de estudo esses que a habilitaram para ser professora primária. Seguiu como cooperante para Moçambique, através da Frelimo, que naquela época estava no início da aplicação prática da "ditadura do proletariado", que por cá muitos teorizavam. Dessa época não temos notícias, mas podemos imaginar a cooperante Rodrigues cooperando com a Frelimo na educação revolucionária e na exterminação dos "reaccionários" e outros adversos ao regime da ditadura do proletariado.Lurdes Rodrigues pôde assim juntar o saber prático da aplicação da ditadura do proletariado a outros saberes práticos variados que adquiriu nos anos que passou na Casa Pia, no Colégio de Santa Clara.
Voltou para Portugal e começou a dar aulas na "primária", entrando para o ensino superior ao abrigo das vagas criadas para professores, que para serem admitidos necessitavam do antigo 7º ano do liceu, que entretanto deve ter concluído. Portanto, na melhor das hipóteses, a actual ministra da educação entrou para o ensino superior com o equivalente ao 11º ano.
Desta maneira Rodrigues começou a frequentar o turno da noite de sociologia no ISCTE, instituto onde mais tarde faria o doutoramento e onde ficaria a dar aulas. Eu conheço bem o Iscte. Assisti a duas provas de doutoramento nesta escola e a única coisa que me ocorre dizer é que se fossem apresentadas na Universidade Nova, por exemplo, não tinham, muito provavelmente, nem passado nem sequer sido aceites. No Iscte passaram por unânimidade, aclamação e louvôr. Em Portugal é o/a orientador/a do/a candidato/a a doutor/a quem escolhe os membros do júri da prova de doutoramento. Este factor é muito sintomático porque deixa tudo à mercê do maior ou menor rigôr de cada pessoa e de cada instituição e sabemos que existem pessoas e instituições sem escrúpulos éticos e científicos.A única maneira de elevar o ensino superior em Portugal seria criar ciclos de avaliações bi-anuais, por exemplo, feitas por duas instituições internacionais diferentes que fossem variando de biénio para biénio, para se poderem cruzar os dados. Na Argentina, por exemplo, onde os professores universitários ganham substancialmente menos (e de que maneira...) que os portugueses, os professores têm de prestar provas públicas regulares onde apresentam os trabalhos publicados e as investigações feitas. Podem surgir outros candidatos. Se apresentarem melhores condições e maior nível que o titular da cátedra, agregado ou associado, ficam-lhe com o lugar. O ensino superior não pode ser um espaço de acomodação. É o ensino superior que forma os futuros governantes e "quadros" empresariais. A exigência tem de ser máxima a todos os níveis. Tem de ser um ensino dinâmico onde os seus profissionais se actualizam e investiguem. A criação de lugares de investigador pode fazer todo o sentido na física quântica ou na investigação médica. Nas "ciências humanas" não faz. O José Gil, por exemplo, que foi considerado por uma revista francesa como sendo um dos 24 pensadores mais relevantes da actualidade (há cerca de dois anos), é professor na Universidade Nova de Lisboa. Costuma dar as aulas todas e fica furioso quando os alunos chegam atrasados. Escreve artigos e livros considerados importantes pela comunidade internacional, participa em colóquios internacionais, é professor convidado em universidades estrangeiras e até, há muitos anos, organizou uma conferência internacional sobre estética da arte, que trouxe a Serralves, no Porto, os mais importantes pensadores da época, como François Lyotard. Concilia, ou conciliava antes de se jubilar, o ensino rigoroso e superior "de facto", com a investigação e actualização permanentes e a produção bibliográfica.

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