terça-feira, 13 de maio de 2008

Ser Professora de Língua Portuguesa nos CEFs...

E cum caraças, o homem fartou-se de martelar! A fina análise textual de um aluno de CEF


Ser professora de Língua Portuguesa nos CEFs
Carta de uma professora
ao "Expresso""

Este ano lectivo, a minha escola abriu dois cursos de educação e
formação: Electricista de Instalações e Assistente Administrativo. Sou
professora de Língua Portuguesa e, normalmente, é possível aos
docentes que pertencem ao quadro escolher os níveis que querem
leccionar. Mesmo não tendo sido opção minha leccionar em turmas destes
cursos, fui presenteada com quinze seres, projectos de electricistas
de instalações, com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos. (
... )
Fotocopiei o programa curricular dos módulos correspondentes ao 1º dos
dois anos do curso. Fiquei logo céptica quando vi que, para futuros
electricistas, os programas previam a leitura orientada de obras
literárias como 'Falar Verdade a Mentir', de Almeida Garrett e 'A
Saga' de Sophia de Mello Breyner Andresen.
É certo que a cultura nunca ocupa lugar e também é certo que fica
sempre bem a um electricista saber as características do teatro do
séc. XIX ( ... ), assim como a interessante história do mentiroso
Duarte do 'Falar Verdade a Mentir', não vá de repente ser preciso que
o electricista, no exercício da sua profissão, precise mesmo de falar
verdade, embora estando a mentir ...
Também pode, a qualquer momento, ser necessário que o futuro
electricista precise de dividir orações ( ... ).
Por favor, cérebros iluminados e destacados para conceberem os
programas curriculares deste tipo de cursos, não sejam líricos!!! (
... ) Venham até Condeixa-a-Nova ( ... ) e assistam à minha aula de
Língua Portuguesa. Vão gostar de ver os 15 fabulosos projectos de
electricistas a pedirem que não lhes ensine tais matérias pois não
lhes servirão para exercer melhor a profissão e porque lhes tinham
dito que, nestes cursos, "as coisas" iam ser diferentes, sem matéria
"chata", só com assuntos ( ... ) relacionados com a vida mais prática
(,,)
E assim vamos andando, rindo até com certas tiradas dos formandos, com
as suas análises de texto boçais e bestiais, vazias de encanto poético
mas cheias de conteúdo telúrico, para ser eufemística... Se não, vejam
a veia poética de um formando, que, após a leitura da frase "... e
Hans foi pai de cinco filhos", do conto 'A Saga' de Sophia de Mello
Breyner, o único comentário de análise textual que conseguiu fazer
foi:
"- E cum caraças, o homem fartou-se de martelar!!!" ....

Anabela Rosa Louro
Gomes Estêvão

Sem comentários: