domingo, 23 de março de 2008

A DEMOCRACIA DE SOCRATES

EM CONSEQUÊNCIA DA REVOLUÇÃO DE 1974 , criou raízes entre nós a ideiade que qualquer forma de autoridade era fascista. Nem mais, nem menos.Um professor na escola exigia silêncio e cumprimento dos deveres?Fascista! Um engenheiro dava instruções precisas aos trabalhadores noestaleiro? Fascista! Um médico determinava procedimentos específicosno bloco operatório? Fascista! Até os pais que exerciam as suasfunções educativas em casa eram tratados de fascistas.Pode parecer caricatura, mas essas tontices tiveram uma vida longa einspiraram decisões, legislação e comportamentos públicos. Duranteanos, sob a designação de diálogo democrático, a hesitação e oadiamento foram sendo cultivados, enquanto a autoridade ia sendo postaem causa. Na escola, muito especialmente, a autoridade do professorfoi quase totalmente destruída.EM TRAÇO GROSSO, esta moda tinha como princípio a liberdade. Osdenunciadores dos 'fascistas' faziam-no por causa da liberdade. Osdemolidores da autoridade agiam em nome da liberdade. Sabemos que issoera aparência: muitos condenavam a autoridade dos outros, nunca a suaprópria; ou defendiam a sua liberdade, jamais a dos outros. Mas enfim,a liberdade foi o santo e a senha da nova sociedade e das novasculturas. Como é costume com os excessos, toda a gente deixou deprestar atenção aos que, uma vez por outra, apareciam a defender aliberdade ou a denunciar formas abusivas de autoridade. A tal pontoque os candidatos a déspota começaram a sentir que era fácil atentar,aqui e ali, contra a liberdade: a capacidade de reacção da populaçãoestava no mais baixo.POR ISSO SINTO INCÓMODO em vir discutir, em 2008, a questão daliberdade. Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos etendências já mais do que simplesmente preocupantes. As causas destaevolução estão, umas, na vida internacional, outras na Europa, mas amaior parte residem no nosso país. Foram tomadas medidas e decisõesque limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos. A expressãode opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos. Avigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se. Aacumulação, nas mãos do Estado, de informações sobre as pessoas e avida privada cresce e organiza-se. O registo e o exame dostelefonemas, da correspondência e da navegação na Internet são legaise ilimitados. Por causa do fisco, do controlo pessoal e das despesascom a saúde, condiciona-se a vida de toda a população e tornam-seobrigatórios padrões de comportamento individual.O CATÁLOGO É ENORME. De fora, chegam ameaças sem conta e que reduzem efectivamente as liberdades e os direitos dos indivíduos. A Al Qaeda, por exemplo, acaba de condicionar a vida de parte do continenteafricano, de uma organização europeia, de milhares de desportistas ede centenas de milhares de adeptos. Por causa das regulações dotráfego aéreo, as viagens de avião transformaram-se em rituais dehumilhação e desconforto atentatórios da dignidade humana. Da UniãoEuropeia chegam, todos os dias, centenas de páginas de novasregulações e directivas que, sob a capa das melhores intenções domundo, interferem com a vida privada e limitam as liberdades. Tambémda Europa nos veio esta extraordinária conspiração dos governos com ofim de evitar os referendos nacionais ao novo tratado da União.MAS NEM É PRECISO IR LÁ FORA. A vida portuguesa oferece exemplos todosos dias. A nova lei de controlo do tráfego telefónico permite escutare guardar os dados técnicos (origem e destino) de todos os telefonemasdurante pelo menos um ano. Os novos modelos de bilhete de identidade ede carta de condução, com acumulação de dados pessoais e registoshistóricos, são meios intrusivos. A vídeovigilância, sem limites desituações, de espaços e de tempo, é um claro abuso. A repressão e asrepresálias exercidas sobre funcionários são já publicamenteconhecidas e geralmente temidas A politização dos serviços deinformação e a sua dependência directa da Presidência do Conselho deMinistros revela as intenções e os apetites do Primeiro-ministro. Ainterdição de partidos com menos de 5.000 militantes inscritos e anecessidade de os partidos enviarem ao Estado a lista nominal dos seusmembros é um acto de prepotência. A pesada mão do governo agiu naCaixa Geral de Depósitos e no Banco Comercial Português com intuitosevidentes de submeter essas empresas e de, através delas, condicionaros capitalistas, obrigando-os a gestos amistosos. A retirada dos nomesdos santos de centenas de escolas (e quem sabe se também, depois, deinstituições, cidades e localidades) é um acto ridículo defundamentalismo intolerante. As interferências do governo nos serviçosde rádio e televisão, públicos ou privados, assim como na 'comunicaçãosocial' em geral, sucedem-se. A legislação sobre a segurança alimentare a actuação da ASAE ultrapassaram todos os limites imagináveis dadecência e do respeito pelas pessoas. A lei contra o tabaco estádestituída de qualquer equilíbrio e reduz a liberdade.NÃO SEI SE SÓCRATES É FASCISTA. Não me parece, mas, sinceramente, nãosei. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suportaé a independência dos outros, das pessoas, das organizações, dasempresas ou das instituições. Não tolera ser contrariado, nem admiteque se pense de modo diferente daquele que organizou com as suaspoderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação. No seuideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da FunçãoPública, revisto e reforçado pelo seu governo. O Primeiro-ministroJosé Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contraautonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoalque Portugal conheceu nas últimas três décadasTEMOS DE RECONHECER: tão inquietante quanto esta tendência insaciávelpara o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção doscidadãos. A passividade de tanta gente. Será anestesia? Resignação?Acordo? Só se for medo...António Barreto in "Público"

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