Foto de Solana, in Flickr.com
O que distingue a profissão docente de qualquer outra profissão de carácter social e de ajuda é apenas o ensino. Se retirarem ao professor a nobre missão de ensinar, nada o distinguirá de qualquer trabalhador da área social. O ME não tem feito outra coisa nos últimos 3 anos. Se combinarmos a leitura do artigo 34º, sobre as duas categorias de professor, com o artigo 35º, verificamos que as alterações ao ECD fixadas pelo Decreto-Lei 15/2007 não tiveram outra intenção senão descaracterizarem a profissão docente, desvalorizando os conteúdos funcionais inerentes ao ensino, de forma a justificar a criação de duas categorias de professor, o estrangulamento da carreira e o empobrecimento e desvalorização dos professores. Ora veja:
O artigo 34º do Decreto-Lei 15/2207 refere que:
2—A carreira docente desenvolve-se pelas categorias hierarquizadas de:
a) Professor;
b) Professor titular.
3—À categoria de professor titular, além das funções de professor, correspondem funções diferenciadas pela sua natureza, âmbito e grau de responsabilidade.
E o artigo 35º, ponto 4, determina os conteúdos funcionais específicos do professor titular:
a) A coordenação pedagógica de ciclo, ano ou curso;
b) A direcção de centros de formação das associações de escolas;
c) A coordenação de departamentos curriculares e conselhos de docentes;
d) O exercício das funções de acompanhamento e apoio à realização do período probatório;
e) A elaboração e correcção das provas nacionais de avaliação de conhecimentos e competências para admissão na carreira docente;
f) A participação no júri da prova pública para admissão ao concurso de acesso à categoria de professor titular.
b) A direcção de centros de formação das associações de escolas;
c) A coordenação de departamentos curriculares e conselhos de docentes;
d) O exercício das funções de acompanhamento e apoio à realização do período probatório;
e) A elaboração e correcção das provas nacionais de avaliação de conhecimentos e competências para admissão na carreira docente;
f) A participação no júri da prova pública para admissão ao concurso de acesso à categoria de professor titular.
A leitura dos conteúdos funcionais específicos do professor titular suscita-me alguns comentários:
1. Somando os conteúdos funcionais específicos do professor titular descritos pelas alíneas "a" até "f" do ponto 4 do artigo 35º aos conteúdos funcionais do professor descritos nas 19 alíneas do artigo 35º, ponto 2, é fácil verificar que o professor titular fica exposto à obrigatoriedade de exercer 25 conteúdos funcionais distintos, a maior parte dos quais sem ligação directa com a sala de aula. Pior do que isso: a maior parte dos conteúdos funcionais do professor titular vêm associados à realização de um sem número de reuniões. O mesmo aliás se passa com os conteúdos funcionais gerais, comuns às duas categorias de professor. A pergunta que se coloca é a seguinte: onde é que os professores titulares vão arranjar tempo para serem professores? Ou será que o legislador que teve a ousadia e o descaramento de redigir os artigos 34º e 35º do Decreto-Lei 15/2007 considera que ensinar já não é a principal missão do professor? Ou será que o legislador pressupõe que o professor titular deve deixar de exercer a nobre missão do professor: ensinar? Assim parece. Quando verificamos que o ME publicou legislação no sentido de isentar da componente lectiva alguns professores avaliadores do 1º CEB, só podemos responder afirmativamente. O ME deixou de considerar o ensino como a missão principal do professor. Talvez por isso, encare a Internet e os quadros interactivos com um entusiasmo tão infantil! Só mesmo alguém que tenha aprendido pouco na escola e na Universidade é que pode revelar um entusiasmo tão pueril pelos quadros interactivos e pelos computadores nas escolas.
2. Não deixa de ser curioso que as funções de gestão administrativa e pedagógica da escola possam ser exercidas por um professor não titular, o que desde logo revela que a divisão da carreira em duas categorias não obedece a qualquer intenção de valorizar as funções docentes, mas apenas um expediente para estrangular a carreira e impedir administrativamente a maioria dos docentes de atingirem o topo da carreira.
3. A desvalorização da direcção de turma constitui outra nota preocupante a retirar da leitura do artigo 35º. Em tempos considerado o cargo de gestão pedagógica intermédia mais importante, uma vez que o director de turma é responsável pela coordenação do conselho de turma e pela ligação entre os professores da turma e os pais dos alunos, nem uma alínea lhe é dedicada pelos artigo 34º e 35º. Ao que parece o legislador considerou que os conteúdos funcionais da direcção de turma são de tal forma irrelevantes que qualquer docente as pode e deve desempenhar.
Nota: apesar de estarmos em meados de Agosto, tem sido possível criar um fórum de discussão em torno do Decreto-lei 15/2007 (ECD). A publicação dos posts em torno dos artigos 34º e 35º tem essa intenção. Assim continuarei a fazer ao longo do resto do mês. A opinião dos colegas é essencial para trazer luz a questões de tão grande complexidade. É precisar gerar argumentos racionais, rigorosos e coerentes para que os professores possam justificar a luta pelas alterações ao ECD e ao modelo de avaliação burocrática de desempenho. A luta será prolongada e não se esgotará nesta legislatura. Vai sobrar para o próximo Governo. Ganhará quem souber apresentar os melhores argumentos e mostrar maior firmeza e tenacidade.
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