Coimbra à noite
Porque sim PERIGOSAS SIMPLIFICAÇÕES
Decorreu em Lisboa a 4ª Conferência Mundial sobre "Violência na escola e políticas públicas", uma iniciativa da Faculdade de Motricidade Humana em parceria com o Instituto de Apoio à Criança.
Foi uma importante reunião, em que tive a honra de participar numa das sessões plenárias e onde foi possível ouvir representantes de mais de cinquenta países, num ambiente de grande partilha científica.
Ressaltou dos trabalhos a necessidade de uma acção concertada, dada a complexidade do problema, mas ficaram bem claras outras conclusões, a merecer a atenção dos nossos responsáveis: por exemplo, para tornarmos eficazes os programas contra a violência, teremos de nos entender à partida na definição do conceito.
Para mim e para a maioria dos colegas presentes não faz grande sentido a demarcação rígida entre indisciplina e violência, como é habitual ouvir-se aos nossos governantes do Ministério da Educação (ME). Percebe-se a intenção: se reduzirmos a estatística da violência aos casos participados de agressões a membros da comunidade educativa, poderemos dizer que cinco por cento das escolas são responsáveis por 90 por cento dos actos violentos, como ouvimos o ME declarar na sessão de abertura. A questão parece assim residual e pode deste modo ser separada da indisciplina na sala de aula, a requerer medidas de carácter pedagógico "bem distintas" das necessárias para o combate à violência escolar.
Trata-se de uma perigosa simplificação, por duas razões: a indisciplina não é uma questão menor, como a abordagem ministerial parece querer mostrar - requer estratégias continuadas, e deve basear-se numa profunda modificação da formação dos professores; depois, o mais importante - uma sala de aula indisciplinada produz o contexto favorável ao aparecimento de comportamentos violentos por parte dos alunos (mas também a partir dos professores).
Deste modo, as definições internacionais consideram os distúrbios na sala de aula como uma forma de violência escolar, ao lado da vitimização de membros da escola, da exploração física e psicológica, da ciberviolência (em crescimento), do "bullying" (intimidação/provocação) e de outros comportamentos violadores da intimidade ocorridos no território escolar. É assim que se toma como violento todo o comportamento que possa afectar de forma negativa o clima de aceitação e respeito mútuo que deve existir em todos os estabelecimentos de ensino, o que deve estar bem expresso no seu regulamento interno. Escola sem regras definidas caminhará para a violência!
Outra simplificação não desejável decorrente desta separação forçada entre o comportamento considerado minor (a indisciplina) e o major (a violência) é a de que deverão ser seguidos programas separados, com as acções mais severas (por exemplo, com recurso a entidades exteriores à escola) destinadas ao combate à violência; e acções pedagógicas para os problemas de indisciplina. A verdade é que este congresso demonstrou como é crucial, para a prevenção da violência, detectar precocemente os estudantes com dificuldades em obter sucesso académico, monitorizar o progresso obtido e combater o preconceito de que estudantes com baixo nível económico não terão sucesso, o que leva com frequência à sua marginalização. Deste modo, pode afirmar-se que manter os estudantes a trabalhar, num clima exigente mas de respeito mútuo entre professores e alunos, conduz EM CONJUNTO a uma escola com maior sucesso e, em consequência, com menos violência: e assim vemos como a indisciplina e a violência não são assim tão separadas...
Em Portugal continua a ser difícil trabalhar numa perspectiva integrada: julga-se que uma acção isolada obtém logo resultados, ou que o problema é dramatizado pela comunicação social. Esquecemos os professores e funcionários, tantas vezes vítimas de várias formas de violência, sem que tenham os apoios necessários; mas também não lembramos os alunos, nalguns casos também vítimas de insultos e humilhações por adultos que povoam a casa e a escola.
Falta entre nós um programa articulado de combate à violência escolar. No Canadá, por exemplo e como se viu no congresso, envolveu um plano para três anos, a englobar uma fase de pesquisa e documentação; um período de formação e concertação; um tempo para a intervenção; e um período de avaliação.
Poderemos fazer tão bem ou melhor, mas precisamos de fugir a perigosas simplificações.
Decorreu em Lisboa a 4ª Conferência Mundial sobre "Violência na escola e políticas públicas", uma iniciativa da Faculdade de Motricidade Humana em parceria com o Instituto de Apoio à Criança.
Foi uma importante reunião, em que tive a honra de participar numa das sessões plenárias e onde foi possível ouvir representantes de mais de cinquenta países, num ambiente de grande partilha científica.
Ressaltou dos trabalhos a necessidade de uma acção concertada, dada a complexidade do problema, mas ficaram bem claras outras conclusões, a merecer a atenção dos nossos responsáveis: por exemplo, para tornarmos eficazes os programas contra a violência, teremos de nos entender à partida na definição do conceito.
Para mim e para a maioria dos colegas presentes não faz grande sentido a demarcação rígida entre indisciplina e violência, como é habitual ouvir-se aos nossos governantes do Ministério da Educação (ME). Percebe-se a intenção: se reduzirmos a estatística da violência aos casos participados de agressões a membros da comunidade educativa, poderemos dizer que cinco por cento das escolas são responsáveis por 90 por cento dos actos violentos, como ouvimos o ME declarar na sessão de abertura. A questão parece assim residual e pode deste modo ser separada da indisciplina na sala de aula, a requerer medidas de carácter pedagógico "bem distintas" das necessárias para o combate à violência escolar.
Trata-se de uma perigosa simplificação, por duas razões: a indisciplina não é uma questão menor, como a abordagem ministerial parece querer mostrar - requer estratégias continuadas, e deve basear-se numa profunda modificação da formação dos professores; depois, o mais importante - uma sala de aula indisciplinada produz o contexto favorável ao aparecimento de comportamentos violentos por parte dos alunos (mas também a partir dos professores).
Deste modo, as definições internacionais consideram os distúrbios na sala de aula como uma forma de violência escolar, ao lado da vitimização de membros da escola, da exploração física e psicológica, da ciberviolência (em crescimento), do "bullying" (intimidação/provocação) e de outros comportamentos violadores da intimidade ocorridos no território escolar. É assim que se toma como violento todo o comportamento que possa afectar de forma negativa o clima de aceitação e respeito mútuo que deve existir em todos os estabelecimentos de ensino, o que deve estar bem expresso no seu regulamento interno. Escola sem regras definidas caminhará para a violência!
Outra simplificação não desejável decorrente desta separação forçada entre o comportamento considerado minor (a indisciplina) e o major (a violência) é a de que deverão ser seguidos programas separados, com as acções mais severas (por exemplo, com recurso a entidades exteriores à escola) destinadas ao combate à violência; e acções pedagógicas para os problemas de indisciplina. A verdade é que este congresso demonstrou como é crucial, para a prevenção da violência, detectar precocemente os estudantes com dificuldades em obter sucesso académico, monitorizar o progresso obtido e combater o preconceito de que estudantes com baixo nível económico não terão sucesso, o que leva com frequência à sua marginalização. Deste modo, pode afirmar-se que manter os estudantes a trabalhar, num clima exigente mas de respeito mútuo entre professores e alunos, conduz EM CONJUNTO a uma escola com maior sucesso e, em consequência, com menos violência: e assim vemos como a indisciplina e a violência não são assim tão separadas...
Em Portugal continua a ser difícil trabalhar numa perspectiva integrada: julga-se que uma acção isolada obtém logo resultados, ou que o problema é dramatizado pela comunicação social. Esquecemos os professores e funcionários, tantas vezes vítimas de várias formas de violência, sem que tenham os apoios necessários; mas também não lembramos os alunos, nalguns casos também vítimas de insultos e humilhações por adultos que povoam a casa e a escola.
Falta entre nós um programa articulado de combate à violência escolar. No Canadá, por exemplo e como se viu no congresso, envolveu um plano para três anos, a englobar uma fase de pesquisa e documentação; um período de formação e concertação; um tempo para a intervenção; e um período de avaliação.
Poderemos fazer tão bem ou melhor, mas precisamos de fugir a perigosas simplificações.
Daniel Sampaio
In Público, 7 de Junho de 2008
In Público, 7 de Junho de 2008
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